“Eu procurava os pontos fracos dele e não encontrei nenhum”. Essa frase é atribuída a Gerhard Berger, que foi companheiro de Ayrton Senna na McLaren de 1990 a 1992.
De fato, o brasileiro, cuja morte completa 26 anos em 2020, tinha inúmeros pontos fortes. Ele era praticamente imbatível nas tomadas de tempos (por isso obteve 65 poles em 162 provas), era muito, muito bom debaixo de chuva pesada e também quando a pista estava secando e sabia como ninguém negociar a ultrapassagem com retardatários.
Mas às vezes as coisas davam errado para Senna. Uma delas foi no GP do Japão de 1993, quando se preparava para dar uma volta no irlandês Eddie Irvine.
Aquela corrida marcava justamente a estreia do piloto irlandês na principal categoria do automobilismo mundial. Por ter feito carreira no Japão e conhecer bem o traçado de Suzuka, ele tinha sido chamado por Eddie Jordan para ser companheiro de Rubens Barrichello nas duas etapas finais de 1993.
Irvine começou muito bem seu primeiro GP. Classificou-se em oitavo – à frente de Barrichello – e era o quinto colocado após a primeira curva, tendo superado Damon Hill, da Williams, e Michael Schumacher, da Benetton, no começo.
Um chove-e-para marcou o GP do Japão daquele ano, e era fundamental para as equipes alternar os pneus para pista molhada e para pista seca na hora certa.
Na 20ª volta, Senna, que liderava a prova, ultrapassou Irvine e colocou uma volta no estreante. Logo em seguida, o brasileiro tentou fazer o mesmo com Hill, que estava com dificuldades para manter a Williams com pneus pista seca em um asfalto cada vez mais molhado.
O britânico resolveu dificultar a vida do tricampeão e não o deixou passar. Nisso, Senna tirou o pé para não bater e acabou levando o troco de Irvine, que acabou descontando a volta que havia tomado pouco antes.
O estreante não parou por aí. Partiu para cima de Hill, e ambos trocaram posições e ficaram lado a lado por quase três voltas, fazendo com que Senna perdesse muito tempo atrás deles, o que poderia permitir a aproximação de Alain Prost, o segundo colocado no outro carro da Williams.
No fim, Senna conseguiu superar ambos e vencer com 11s de vantagem para Prost. Hill foi o quarto, e Irvine cruzou a linha de chegada em sexto para se tornar o primeiro estreante a terminar na zona de pontos de uma corrida na década de 1990.
Ayrton Senna e o soco em Irvine
Após o pódio, o brasileiro se encontrou com Berger, seu antigo companheiro de equipe, que o convenceu a ir tirar satisfações com Irvine.
O tricampeão se dirigiu aos boxes da Jordan acompanhado de Norman Howell, diretor de comunicações da McLaren e Giorgio Ascanelli, seu engenheiro, para confrontar o adversário.
Só que aí veio o problema. Quem era Eddie Irvine? Quando Senna entrou na sala reservada da Jordan, não reconheceu o piloto irlandês sem o capacete. O estreante, então, levantou a mão e chamou o brasileiro.
A conversa entre os dois não foi amistosa. Senna dizia que Irvine estava maluco, que era um lunático e não respeitava as bandeiras azuis. O irlandês, com seu jeito despojado, respondia que só estava competindo e não tinha colocado o brasileiro em perigo. Cada vez que o piloto da Jordan abria a boca o da McLaren ficava mais irritado.
Senna já estava indo embora, quando Irvine provocou uma última vez, dizendo que eles ainda iam se encontrar na pista. Foi nessa hora que o brasileiro voltou, fez como se fosse dar um soco com a mão direita, mas acabou dando um tapa com a mão esquerda no rosto do outro piloto. O suficiente para derrubá-lo da cadeira.
Em tom de piada, o irlandês gritou para Senna dizendo que ia processá-lo pelo ocorrido.
Mais tarde, Irvine justificou o episódio dizendo que Hill é quem tinha bloqueado o brasileiro, não ele. Mas que ele e Senna já estavam se desentendo na pista desde os primeiros treinos em Suzuka, na sexta-feira, então aquela disputa na corrida tinha sido só a gota d’água.
Apesar do clima tenso no Japão, os dois praticamente nunca mais se encontraram na pista. Eles só competiram juntos em mais dois GPs. Na Austrália, duas semanas mais tarde, Senna venceu, enquanto Irvine abandonou depois de bater na décima volta.
E, em 1994, Senna brigava pela vitória do GP do Brasil, na primeira corrida do ano, com Michael Schumacher, e Irvine estava no meio do pelotão quando se envolveu em um acidente com Jos Verstappen, Eric Bernard e Martin Brundle, no fim da Reta Oposta. O piloto da Jordan foi considerado culpado pelo lance e foi suspenso das três provas seguintes.
Por essa razão, ele não estava na pista nem no GP do Pacífico, em Aida, nem no GP de San Marino, em 1º de maio de 1994, quando aconteceu o acidente fatal de Ayrton Senna.
Fã de Ayrton Senna
Mas o mais curioso do episódio do GP do Japão de 1993 é que Irvine, na verdade, era um grande fã de Senna.
Nas categorias de acesso, ele corria com um capacete idêntico ao do brasileiro: amarelo com faixas horizontais, uma verde e outra azul. Depois, o irlandês mudou as cores do capacete, para laranja e verde, mas mantendo o mesmo design de Senna.
Só que, apesar da idolatria, os dois se envolveram na confusão no Japão. Em uma entrevista, Barrichello comentou que Irvine e os membros da Jordan brincavam com a situação, dizendo que o piloto tinha “apanhado da lenda da F1”, o que era motivo de orgulho.
Irvine continuou na F1 até 2002, tendo passado pela Ferrari, de 1996 a 1999, e depois pela Jaguar, tendo disputado o título em seu último ano em Maranello, mas sendo derrotado por Mika Hakkinen, da McLaren.
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